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domingo, 29 de maio de 2011

Veneza brasileira

http://www.diariodepernambuco.com.br/2011/05/29/vidaurbana7_0.asp
Tânia Passos 
Recife, domingo, 29 de maio de 2011

Recife poderá, finalmente, integrar os rios que cortam a cidade ao serviço de transporte público. Não se pode imaginar o Recife sem os rios. Mas comece a imaginar o Recife com os rios navegáveis. O sonho, quase romântico, de uma Veneza brasileira pode sim acontecer. Mas não apenas pelo aspecto turístico de passeios sob as pontes. A navegabilidade dos rios passa a ser uma condição essencial de mobilidade para uma cidade travada pelo trânsito caótico. Pela primeira vez, o rio está sendo encarado como um instrumento viável para o transporte hidroviário integrado ao ônibus e metrô. A Secretaria das Cidades incluiu a navegabilidade dos três rios que cortam o Recife, Capibaribe, Beberibe e Tejipió, entre os quatro projetos que poderão receber recursos do PAC da Mobilidade este ano. Orçado em R$ 398 milhões, o projeto aponta três eixos a serem explorados pelas hidrovias: as zonas Oeste, Norte e Sul. 

Dos três eixos, a Zona Oeste é a mais viável para o transporte hidroviário de passageiros por causa da demanda existente. O Capibaribe é, na verdade, uma via paralela às avenidas Rui Barbosa e Rosa Silva, que estão com o trânsito saturado. Imagine então trocar o caos do trânsito nessas duas vias por outra sem semáforos, engarrafamentos, buracos ou protestos e, de quebra, uma das mais belas paisagens da cidade. Para se ter uma ideia do que pode significar na prática, a equipe do Diario conferiu em um catamarã o trajeto previsto para o eixo da Zona Oeste, que inclui cinco estações hidroviárias: a estação central do metrô do Recife e o trecho das futuras estações do Derby, Plaza, Caiara e da BR- 101. Devido ao assoreamento a embarcação chegou até o penúltimo trecho. 
Em uma conta simples, marcamos o tempo gasto pelo barco no trecho entre Casa Forte e Jaqueira, de apenas três minutos, e de Casa Forte até o Derby, de 10 minutos. É claro que de carro ou ônibus o tempo tende a ser muito maior devido aos engarrafamentos e semáforos. De acordo com o projeto da Secretaria das Cidades, se aprovado o projeto de navegabilidade, o serviço de transporte público hidroviário será feito por meio de concessão, da mesma forma que ocorre com os ônibus. O modelo das embarcações só será definido posteriormente em edital. Um dos critérios é que as embarcações sejam fechadas, climatizadas e com equipamento de segurança. “Ao contrário dos ônibus, nenhum passageiro poderá ficar de pé. Serão todos sentados e com os equipamentos de proteção”, afirmou a secretária executiva das Cidades, Ana Suassuna. 

A vocação histórica
A primeira tentativa do uso do rio como transporte hidroviário no Recife, segundo o historiador Leonardo Dantas, veio com o prefeito Geraldo Magalhães na década de 1970. Ele chegou a importar da Holanda uma lancha batizada de Garcia D’Avila para ser usada para o transporte de passageiros. Mas a ideia não emplacou. Quatro décadas depois, a navegabilidade como meio de transporte está mais perto de se tornar realidade graças aos investimentos em mobilidade planejados a partir da Copa de 2014.



E o rio é, sem dúvida, um equipamento estratégico. Para se ter uma ideia, em menos de cinco minutos é possível fazer a travessia de um canto a outro do rio, no píer da Jaqueira. O serviço dos barqueiros que funciona há mais de 30 anos é só um dos exemplos de como o rio pode ajudar a reduzir distâncias. Os estudantes Carlos Miranda Lago, 16 anos, e Victor Dias, 16, estudam no Colégio Damas na Avenida Rui Barbosa e moram no bairro da Torre, do outro lado do rio. Para fazer o caminho para a casa de ônibus, eles dizem que gastariam mais de uma hora. “Se tiver algum protesto ou acidente o tempo é ainda maior. Aqui, em 10 minutos a gente está em casa”, revelou Carlos Miranda.
Até o início do século passado as casas da região ribeirinha entre os bairros de Apipucos, Casa Forte e Jaqueira dispunham de píer para atracar as embarcações. Segundo o historiador Leonardo Dantas, tudo era feito de canoa. “Não havia estradas para os engenhos e toda a comunicação vinha pelo rio. As canoas eram como automóveis”.
Se o rio servia de comunicação entre os engenhos, ele também era importante no transporte de mercadorias. Até a década de 1960, contou Dantas, as barcaças faziam o transporte de produtos para o armazém da Alfândega, no Cais de Santa Rita. “O açúcar das usinas era tranportado por barcos, assim como a lenha, o coco, o abacaxi e o cimento”. Imagens cedidas pela Fundação Joaquim Nabuco revelam uma época em que o Cais era o ponto de atracação das barcaças vindas de vários lugares. A passagem até a Alfândega era feita pela Ponte Giratória. A estrutura era aberta para dar passagem aos barcos. Mas com a concorrência do transporte rodoviário, as barcaças deixaram de trazer mercadorias e a ponte perdeu sua função.


Em todo o mundo, as hidrovias são usadas tanto no transporte de cargas como no de pessoas. Umas das imagens mais famosas é a das gôndolas circulando por Veneza, na Itália, mas os passeios românticos e turísticos são apenas uma das possibilidades. O rio já vem sendo visto como uma opção de mobilidade urbana em várias cidades a exemplo de Nova York e Amsterdã. No Brasil, a região Norte é onde há a maior concentração desse tipo de transporte. Outras cidades como Florianópolis (SC), Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Salvador (BA), Aracaju (SE), Vitória (ES) e São Luís (MA) também utilizam o transporte hidroviário de passageiros. Somente no Rio de Janeiro, cerca de 23 milhões de passageiros são transportados por ano. Da capital para Niterói, o percurso leva apenas 20 minutos de barco.
No Recife, o resgate do rio poderá trazer novas perspectivas para importantes equipamentos urbanos. A proposta é que o rio consiga fazer a integração também com os parques e praças. Na rota dos rios estão os parques do Caiara, de Santana, da Jaqueira, de Apipucos e de Exposições do Cordeiro, a Praça do Derby e os parques de Dois Irmãos e Memorial Arcoverde. Apesar de prever apenas cinco terminais, o embarque e desembarque poderá ser feito da estação do Caiara, que ficará localizada em uma posição estratégica.
Para a professora do departamento de paisagismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Ana Rita Sá Carneiro, o aproveitamento desse potencial é próprio da característica da cidade. “A cidade tem a predisposição de tornar o rio um elemento de interligação das praças e parques, seja do Oeste, Norte e o Sul”, afirmou a arquiteta.
Um dos grandes defensores da navegabilidade dos rios, o arquiteto e urbanista Milton Botler, presidente do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira, defendeu a implantação da navegabilidade dentro do plano municipal de mobilidade urbana, que foi apresentado pela Prefeitura do Recife em fevereiro deste ano. “É importante resgatar o rio dentro do sistema hidroviário, mas também como elemento ecológico. Não podemos mais ficar de olhos fechados para o rio”, afirmou Botler.
Também idealizador do projeto de navegabilidade do governo do estado, o arquiteto Zeca Brandão lembra que nunca foi feito um plano diretor das águas. “Há necessidade de um plano diretor náutico. Há uma vocação natural da cidade que precisa ser melhor aproveitada”, ressaltou. Ele cita, por exemplo, o projeto Porto Novo, no Bairro do Recife,  onde será instalado um píer de 350 metros para dar acesso aos galpões. “O visitante poderá chegar de barco, usufruir da infraestrutura e retornar navegando, bem longe do trânsito da cidade”, explicou.



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